31.1.11

Fanzines - A voz do underground (parte 2)

Leia a primeira parte deste artigo aqui.


Sei de tudo isso porque eu também fui um zineiro. Comecei logo cedo, assim que peguei a pacoteira de zines com meu amigo headbanger. O primeiro foi o Psicose, um zine de “metal porrada”, como dizíamos, que teve apenas uma edição, lançada em 94, e que deve ser a coisa mais rara existente na Terra, pois nem eu a tenho. Tampouco os originais. Devo ter enviado pelo correio uma meia-dúzia de exemplares e olhe lá.

Nessa época era muito comum conseguirmos endereços de correspondência de bandas e de outros zineiros nos próprios fanzines, em revistas e nos famosos flyers, que eram pequenos pedaços de papel de tamanhos e formatos variados que circulavam por aí por meio de cartas. Nós sempre colocávamos um punhado deles em cada envelope que enviávamos. Iam tanto os nossos próprios flyers quanto o de amigos. E assim se fazia a grande rede de zineiros do Brasil e do mundo, tudo na base da cooperação.

Um desses flyers que vieram parar em minhas mãos me chamou a atenção, pois tratava-se de um zine de Bauru, o Bloodless, também de metal. Fui atrás dos editores e as colaborações mútuas geraram diversos frutos. Até hoje aqueles caras são meus amigos e costumamos lembrar desses detalhes com carinho.

Era muito comum um zineiro colaborar com outro, escrevendo artigos, resenhas e entrevistas ou enviando ilustrações, tirinhas e quadrinhos. Isso tornava tudo mais interessante, pois possibilitava a alguém que não soubesse desenhar, publicar a tira de um amigo ou algo assim. Alguns fanzines eram verdadeiros aglomerados de colabores e destacavam-se pelo dinamismo e heterogeneidade.

Em 98 veio o Avant-Garde Zine, que era ruim de dar dó, mas foi “sucesso de vendas” nas noitadas bauruenses, já que era todo bonitinho por ter sido impresso em off-set, custeado pela tia do meu coeditor. Optamos por fazer um levantamento de parte da cena musical bauruense, e essa parte, no caso, era a que envolvia exclusivamente os nossos amigos. E também falamos um pouco de cinema, quadrinhos e jogamos umas porcarias perdidas lá no meio pra encher linguiça. Ainda bem que ficou só no primeiro número.

Em seguida, no mesmo ano de 1998, veio um bacana, o Yell Zine, que teve três números e uma quantidade razoável de exemplares distribuídos via correio. Eu falava de música, principalmente, e de política, quadrinhos, cinema, literatura e outros fanzines. Qualquer coisa que viesse à cabeça e que eu considerasse relevante, tacava lá no zine. Dessa profusão de ideias, saíram coisas bem bacanas.



Como a internet já estava bem desenvolvida aqui no Brasil, apesar de ainda ser discada, pude fazer contato com gente do mundo todo. Consegui boas entrevistas com bandas gringas de certo renome (Fugazi, Anal Cunt, Abigor, Guitar Wolf, entre outras) e recebi uma quantidade astronômica de fitas demo, compactos, CDs e fanzines de tudo quanto é lugar do globo.

Além disso, também contei com a colaboração de vários quadrinistas do Brasil, que me enviavam suas tiras para serem publicadas no zine. Lembro-me que um desses parceiros foi o elogiado Orlandeli, que lançou o álbum (Sic) no ano passado pela Conrad Editora. Eu publicava essas tirinhas que recebia nas páginas finais de cada edição.

O Yell teve boa representatividade na cena underground. Junto com terceira edição eu organizei uma coletânea em K7 chamada Bauru Isn’t Just a Sandwich, com 6 bandas do município. Algumas revistas e jornais voltaram sua atenção para Bauru, devido à razoável quantidade de bandas e fanzines que tínhamos por lá no fim da década de noventa. Disso resultaram matérias e entrevistas conosco, o que deixou nossas produções mais conhecidas. Um grande jornal chegou a nos chamar de “a Seattle brasileira”.

E, por último, em meados de 2000, fiz o Assougue [sic(k)] Terrorzine, com temática voltada ao universo do horror, falando de filmes, literatura, música, RPG e, claro, quadrinhos. Ficou um zine bem bacana e informativo, mas não saiu da primeira edição, em partes porque meus dois parceiros preguiçosos não faziam praticamente nada.

Daí em diante a internet foi nos deixando cada vez mais preguiçosos e os zines foram substituídos gradativamente pelos sites e, posteriormente, pelos blogs. Infelizmente o número de fanzines impressos de hoje é bem menor se comparado à minha época. Tudo bem que a internet propicia maior alcance e divulgação em um menor espaço de tempo, além da contenção de gasto com papéis. Mas receber zines pelo correio ainda me trás saudades.

Contudo, um velho zineiro nunca desiste facilmente, e em breve irei publicar o meu mais novo projeto, o P.O.G.O. zine, que será lançado em versão impressa e digital. Em breve trarei mais informações.

O que importa é que eu aprendi muito com os fanzines e não hei de esquecê-los tão cedo. Mesmo porque até hoje estou vivendo as consequências dessa frutífera convivência.

Um comentário:

mussorgsky disse...

grande leonardo, sou o Roberto Hollanda, que editava os zines Arlequim e Gotas, se lembra? queria voltar o contato, pois além dos quadrinhos, continuo no resgate do material de demos daquela época! qualquer coisa, visite meus sites www.hollandacomics.blogspot.com (com meus quadrinhos) e a underenciclo.blogspot.com (com minha enciclopédia de demos). abração!!