31.1.11

Fanzines - A voz do underground (parte 2)

Leia a primeira parte deste artigo aqui.


Sei de tudo isso porque eu também fui um zineiro. Comecei logo cedo, assim que peguei a pacoteira de zines com meu amigo headbanger. O primeiro foi o Psicose, um zine de “metal porrada”, como dizíamos, que teve apenas uma edição, lançada em 94, e que deve ser a coisa mais rara existente na Terra, pois nem eu a tenho. Tampouco os originais. Devo ter enviado pelo correio uma meia-dúzia de exemplares e olhe lá.

Nessa época era muito comum conseguirmos endereços de correspondência de bandas e de outros zineiros nos próprios fanzines, em revistas e nos famosos flyers, que eram pequenos pedaços de papel de tamanhos e formatos variados que circulavam por aí por meio de cartas. Nós sempre colocávamos um punhado deles em cada envelope que enviávamos. Iam tanto os nossos próprios flyers quanto o de amigos. E assim se fazia a grande rede de zineiros do Brasil e do mundo, tudo na base da cooperação.

Um desses flyers que vieram parar em minhas mãos me chamou a atenção, pois tratava-se de um zine de Bauru, o Bloodless, também de metal. Fui atrás dos editores e as colaborações mútuas geraram diversos frutos. Até hoje aqueles caras são meus amigos e costumamos lembrar desses detalhes com carinho.

Era muito comum um zineiro colaborar com outro, escrevendo artigos, resenhas e entrevistas ou enviando ilustrações, tirinhas e quadrinhos. Isso tornava tudo mais interessante, pois possibilitava a alguém que não soubesse desenhar, publicar a tira de um amigo ou algo assim. Alguns fanzines eram verdadeiros aglomerados de colabores e destacavam-se pelo dinamismo e heterogeneidade.

Em 98 veio o Avant-Garde Zine, que era ruim de dar dó, mas foi “sucesso de vendas” nas noitadas bauruenses, já que era todo bonitinho por ter sido impresso em off-set, custeado pela tia do meu coeditor. Optamos por fazer um levantamento de parte da cena musical bauruense, e essa parte, no caso, era a que envolvia exclusivamente os nossos amigos. E também falamos um pouco de cinema, quadrinhos e jogamos umas porcarias perdidas lá no meio pra encher linguiça. Ainda bem que ficou só no primeiro número.

Em seguida, no mesmo ano de 1998, veio um bacana, o Yell Zine, que teve três números e uma quantidade razoável de exemplares distribuídos via correio. Eu falava de música, principalmente, e de política, quadrinhos, cinema, literatura e outros fanzines. Qualquer coisa que viesse à cabeça e que eu considerasse relevante, tacava lá no zine. Dessa profusão de ideias, saíram coisas bem bacanas.



Como a internet já estava bem desenvolvida aqui no Brasil, apesar de ainda ser discada, pude fazer contato com gente do mundo todo. Consegui boas entrevistas com bandas gringas de certo renome (Fugazi, Anal Cunt, Abigor, Guitar Wolf, entre outras) e recebi uma quantidade astronômica de fitas demo, compactos, CDs e fanzines de tudo quanto é lugar do globo.

Além disso, também contei com a colaboração de vários quadrinistas do Brasil, que me enviavam suas tiras para serem publicadas no zine. Lembro-me que um desses parceiros foi o elogiado Orlandeli, que lançou o álbum (Sic) no ano passado pela Conrad Editora. Eu publicava essas tirinhas que recebia nas páginas finais de cada edição.

O Yell teve boa representatividade na cena underground. Junto com terceira edição eu organizei uma coletânea em K7 chamada Bauru Isn’t Just a Sandwich, com 6 bandas do município. Algumas revistas e jornais voltaram sua atenção para Bauru, devido à razoável quantidade de bandas e fanzines que tínhamos por lá no fim da década de noventa. Disso resultaram matérias e entrevistas conosco, o que deixou nossas produções mais conhecidas. Um grande jornal chegou a nos chamar de “a Seattle brasileira”.

E, por último, em meados de 2000, fiz o Assougue [sic(k)] Terrorzine, com temática voltada ao universo do horror, falando de filmes, literatura, música, RPG e, claro, quadrinhos. Ficou um zine bem bacana e informativo, mas não saiu da primeira edição, em partes porque meus dois parceiros preguiçosos não faziam praticamente nada.

Daí em diante a internet foi nos deixando cada vez mais preguiçosos e os zines foram substituídos gradativamente pelos sites e, posteriormente, pelos blogs. Infelizmente o número de fanzines impressos de hoje é bem menor se comparado à minha época. Tudo bem que a internet propicia maior alcance e divulgação em um menor espaço de tempo, além da contenção de gasto com papéis. Mas receber zines pelo correio ainda me trás saudades.

Contudo, um velho zineiro nunca desiste facilmente, e em breve irei publicar o meu mais novo projeto, o P.O.G.O. zine, que será lançado em versão impressa e digital. Em breve trarei mais informações.

O que importa é que eu aprendi muito com os fanzines e não hei de esquecê-los tão cedo. Mesmo porque até hoje estou vivendo as consequências dessa frutífera convivência.

28.1.11

Fanzines - A voz do underground (parte 1)

O ano era 1992. Eu acabara de completar 14 anos e estava desbravando os meus recém-conhecidos universos do metal e do punk rock, que a cada dia revelavam novas pérolas para mim, bandas que acompanho com empolgação até hoje.

Numa dessas peregrinações por Bauru em busca de novos discos de vinil, me deparei com algo que mudaria a minha vida, sem o mínimo de exagero.

Eu estava na casa de um amigo, mais velho do que eu, de quem eu costumava comprar uns vinis. Aliás, eu gastava boas horas do meu dia atrás de discos e gibis, o que me levou a conhecer bastante gente envolvida ou apenas interessada por estes assuntos. Com isso, fui aprendendo muita coisa, numa época em que você precisava correr atrás ao invés de recorrer a uma simples busca no Google. Hoje é mais fácil, mas naquela época parece que dávamos mais valor pra cada novo achado.

Enquanto esse amigo me apresentava algumas bandas, olhei para o lado e vi uma caixa enorme cheia de “revistas”. Perguntei se estavam à venda e ele me respondeu que eram fanzines, não revistas. Enquanto ele tecia uma detalhada explicação sobre o que eram os “zines”, como eram carinhosamente tratados, comecei a folhear alguns deles.

Fiquei deslumbrado. Fascinado. Maravilhado. Um novo mundo se descortinava diante de mim.

Comprei alguns discos e ele me deu uma grande quantidade de fanzines de metal em todas as suas vertentes, inclusive o dele, chamado Stain Crazy. Fui correndo pra casa doido pra ouvir os discos e ler os zines.

Era um oceano de informação. Tinha zine de tudo quanto era lado, de norte a sul do Brasil. Fanzineiros das antigas, como era o caso deste meu amigo, costumavam se corresponder com gente de tudo quanto era canto do país e também com zineiros estrangeiros, o que gerava intercâmbio de suas publicações independentes. Havia alguns no pacotão que ele me deu. De qualquer forma, meu inglês era péssimo naquela época, mas era bacana ver o nível de alguns zines gringos. Pareciam revistas!

Contudo, os fanzines traziam as coisas das quais eu gostava de verdade, enquanto que as revistas falavam de várias bandas que eu não suportava. Além do mais, eram poucas as revistas, algumas eram mensais, outras bimestrais. Informação insuficiente pra um garoto de 14 anos cheio de curiosidade. Portanto os zines eram um excelente meio de comunicação.

À parte dos fanzines, digamos, mais “profissionais”, havia os fanzines artesanais e descompromissados, que eram a grande maioria e os que mais nos interessam aqui. Geralmente eram feitos por uma ou duas pessoas e expunham muito da identidade de cada autor. Eram sensacionais!

Fui descobrindo os mais variados gêneros de fanzines ao longo do tempo. Os temas variavam entre música, cinema, quadrinhos, contos, poesia, ilustrações, fotografia, política, futebol, horror, ficção científica, western, RPG, Tolkien, artes marciais, sexo, fã-clubes, receitas, colecionismo e tudo o mais que a imaginação pudesse criar.

Mas como ninguém podia viver só de fanzine, e muitas vezes as horas vagas eram poucas, a periodicidade das publicações era desrespeitada na maior cara-de-pau. A maioria dava-se por contente por lançar três ou quatro edições por ano e quase nunca cumpriam o prazo estabelecido, se é que havia.

Também pudera. Fazer zine dava muito trabalho! Era preciso escrever os textos à máquina, recortar, colar, diagramar, xerocar, escrever e ler cartas, endereçá-las, ir ao correio, fazer flyers e ainda se inteirar ao máximo pra conseguir informação pertinente pro fanzine. Bom, o conteúdo variava muito de acordo com a intenção de cada autor, e a pertinência idem.


Continua aqui.

26.1.11

Cripta e Groo pela Myhtos

A editora Mythos tem dois bons lançamentos programados para chegarem às bancas e comic shops ainda em janeiro.

O primeiro, Cripta - Volume 1 (20,5 x 27,5 cm, 240 páginas, capa cartonada, preço indefinido), estava programado para o ano passado, mas sofreu um considerável atraso.

Trata-se da republicação de clássicos do horror da Eerie Archives, publicados nos EUA pela Dark Horse. Aqui no Brasil, esses títulos foram publicados de 1976 a 1981 na revista Kripta, que relançava material das revistas Creepy e Eerie, da Warren Publishing.

Cada edição trará cinco edições completas da Eerie, na ordem original de publicação.

No primeiro volume, com capa do cultuado Frank Frazetta, poderemos conferir os belos traços de Al Williamsom, Alex Toth, Angelo Torres, Dan Adkins, Donald Norman, Eugene Colan, Frank Frazetta, Gray Morrow, Jack Davis, Jay Taycee, Joe Orlando, John Severin, Reed Crandall, Rocco Mastroserio, Steve Ditko e Wallace Wood. E nos roteiros, teremos Archie Goodwin, Carl Wesser, E. Nelson Bridwell, Eando Binder, Larry Ivie, Ron Parker, entre outros.

Outro título que possui status de cult e que vai alegrar muita gente é Groo - A Grande Crise, com as aventuras e desventuras do bárbaro mais sem noção dos quadrinhos, criação do espanhol radicado no México, Sergio Aragonés.

Outras editoras já haviam publicado as histórias de Groo no Brasil, dentre elas a Abril, Pandora e Opera Graphica.

Esta edição da Mythos tem 116 páginas, formato americano e está programada para chegar ainda janeiro às bancas e comic shops, com distribuição setorizada e preço previsto de R$39,90.

25.1.11

Tira à mão (ou não) #2

Outro artista que merece registro e que deveria ser notado também pelas editoras é o Renan Lima, que tem um estilo bem autêntico e um senso de humor ácido. Essa tira foi publicada hoje em seu blog.

Tira à mão (ou não)


HQ de uma página publicada ontem no blog Contratempos Modernos do excelente artista plástico e quadrinista gaúcho Rodrigo Chaves. Alguma editora bem que podia publicar o trabalho desse cara. Ele e bom!

24.1.11

7ª Feira de Quadrinhos e Arte em São Paulo

Em comemoração ao Dia Nacional dos Quadrinhos, que acontece no dia 30 de janeiro, o Espaço Multiverso HQ (Rua Cardeal Arcoverde, 422, esquina com a Capote Valente, Pinheiros, São Paulo/SP) vai realizar a 7ª Feira de Quadrinhos e Arte.

O evento começa às 9h da manhã do dia 29 (sábado) e vai até as 18h do dia seguinte, sem interrupções, funcionando, inclusive, durante a madrugada, na qual serão oferecidos descontos de até 70% pra quem tiver disposição para garimpar algumas preciosidades com excelentes preços.

No sábado, a partir das 15h30, haverá bate-papo entre artistas, editores e pesqisadores, com a presença de Guilherme Kroll (Balão Editorial) Rodrigo Febrônio (Banca de Quadrinhos), Mario Cau (Pieces), Worney Almeida de Souza (AQC-ESP), Gonçalo Junior (A Guerra dos Gibis), Jota Silvestre (Papo de Quadrinho) e Nobu Chinen (pesquisador).

E no domingão, também às 15h30, será a vez de Flávio Luiz (O Cabra), Renato Lebeau (Impulso HQ), Daniel Esteves (Nanquim Descartável), Franco de Rosa (Editorial Kalaco) e Thiago Spyded (Editora Crás).

Nos dois dias também será realizada uma nova edição do Contos da Madruagada, no qual quadrinistas produzem histórias ao vivo.

Vamos prestigiar!

Para mais informações, ligue para (11) 3682-4989 ou 2361-2201.

22.1.11

Quadrinhos: Literatura? Arte? Nona arte?

Em certa conversa com um amigo, fã e autor de quadrinhos, o ouvi tecendo questionamentos a respeito da autenticidade das HQs enquanto manifestação artística. Ele levantou a seguinte hipótese: seriam os quadrinhos uma arte menor por terem que “carregar o pesado fardo”, como diria o mestre Tolkien, de se limitarem a ser apenas uma bricolagem das artes consensuais?

Após um breve levantamento de teorias, chegamos à conclusão que se os quadrinhos não passam de bricolagem, então outras artes também o são, já que se constituem por mais de um tipo de linguagem, como é o caso do cinema, do teatro, da música contemporânea, entre outras.

Numa outra ocasião, uma amiga me perguntou se os quadrinhos pertenciam à área da literatura, o que eu, de prontidão, respondi negativamente, dizendo que estão mais para as artes gráficas, já que é possível realizar quadrinhos sem textos, mas sem imagem não existe quadrinhos. Há uma outra exceção, mas são apenas experimentações e não podem ser utilizadas como parâmetro para avaliar o todo.

Em seguida, um colega próximo disse que nunca havia pensado nisso, mas que ainda iria raciocinar a respeito e que acabaria por me contradizer. A tendência por achar que quadrinhos são uma espécie de literatura que também usa imagens para narrar a história (não confundir com a literatura ilustrada, que utiliza elementos gráficos apenas para ilustrar, trazer adendos, o que as palavras sozinhas manifestam, sem que haja uma narrativa em conjunto).

Como bem atesta Paulo Ramos em seu livro A Leitura dos Quadrinhos (Contexto, 2009), “Chamar quadrinhos de literatura, a nosso ver, nada mais é do que uma forma de procurar rótulos socialmente aceitos ou academicamente prestigiados (caso da literatura, inclusive a infantil) como argumento para justificar os quadrinhos, historicamente vistos de maneira pejorativa, inclusive no meio universitário”.

Toda arte que goza de uma pluralidade de linguagens, evidentemente, há por ter semelhanças com outras formas de arte, mas nem por isso perdem sua autonomia, já que o que constitui uma linguagem própria é a maneira como ela interage entre essas diversas formas de linguagem, compondo, assim, a sua singularidade.

A especificidade dos quadrinhos está na maneira como a nona arte interpola características da literatura, artes gráficas e da narrativa, só pra citar as principais, ou, ao menos, as mais evidentes. Disso resulta uma linguagem que contém em si características inexistentes a outras formas de arte. O texto é trabalhado nos quadrinhos de maneira bastante distinta da literatura, assim como os aspectos gráficos se diferenciam bastante dos presentes na pintura, por exemplo. A narrativa de quadrinhos é diferenciada com relação à utilizada no cinema. E por aí vai.

Portanto, literatura é uma coisa e quadrinhos são outra. E ponto!

Mas o que ocorre com a nossa querida nona arte que ainda permanece relegada ao título de arte menor, pra não dizer outra coisa?

Bem... Os quadrinhos começaram com o pé esquerdo. Surgiram à mesma época do cinema – que é chamado de sétima arte, embora sejam muitos os que atestam que os quadrinhos surgiram antes –, mas este se viu numa posição privilegiada logo de cara, já que era produzido e consumido por gente endinheirada, o que lhe atribui certo status social. Pronto! Se é da elite, é bom! Esse é o pensamento burguês mais clássico e que ainda há de permanecer por um bom tempo, infelizmente.

Mas voltando aos quadrinhos... Tudo é uma questão de autovalorização. O cinema já surgiu com o propósito de se tornar sério, já que quem o produzia estava ciente de sua potencialidade, enquanto que os quadrinhos eram vistos como passatempo, piadinhas, humor barato. Não é à toa que nos Estados Unidos são chamados de comics. Os próprios autores demoraram a encarar as inúmeras possibilidades desta nova arte. Muitos nem se diziam artistas, apenas ilustradores ou menos do que isso. E nem de longe estou menosprezando os ilustradores, que fique claro!

Um dos primeiros geninhos a perceber que tinha a faca e o queijo na mão foi Will Eisner, profícuo e brilhante autor que explorou como poucos todas as possibilidades daquela arte desprestigiada, ainda mais em sua época. Daí ele tentou de tudo pra elevar o moral dos quadrinhos, tentando até mudar o substantivo por um composto: sequential art, ou arte sequencial, como dizemos aqui. Inspirou até o nome de um de seus livros teóricos, uma espécie de bíblia da linguagem que ele tanto defendeu ao longo de toda a sua vida. Mas o substantivo criado por ele nome não pegou muito. Tem até quem o use, mas os nomes habituais continuam em voga.


Contudo, outro substantivo composto criado por ele é muito usado, principalmente de umas décadas pra cá: graphic novel. Dava um tom muito mais sério, cheio de credibilidade, ao termo que eles usavam pra gibi lá na gringa: comic book. E é lógico que a contribuição de Eisner para os quadrinhos não ficou apenas no campo léxico. Mas não há espaço aqui para falar sobre toda a sua importância. Por isso recomendamos seus livros Quadrinhos e Arte Sequencial (Martins Fontes, com nova edição lançada em 2010) e Narrativas Gráficas (Devir, 2008, 2ª ed.).

Só que nisso tudo há uma coisa bem curiosa, pra dizer o mínimo. Da Idade Moderna em diante, o Brasil se tornou um país bastante americanizado. E foi nesta época que os quadrinhos surgiram. Por essa ironia do destino, sempre compartilhamos a ideia americana de que quadrinhos não são coisa séria. Se a elite intelectual deles dizia, quem éramos nós para provar o contrário, não? Mas na Europa a coisa era bem outra.

Lá os quadrinhos são Nona Arte mesmo, com letra maiúscula. São levados muito a sério e recebem amplo apoio social, acadêmico e governamental. O mesmo acontece em países da Ásia, como Japão e Coreia, que possuem até cursos superiores de formação em mangás e manwhas, como são chamados, respectivamente, os quadrinhos nesses países.

Centre Belge de la Bande Dessinée
Na França e Bélgica, por exemplo, a pesquisa acadêmica relacionada aos quadrinhos está a anos-luz da realizada no Brasil, nem tanto em termos de qualidade, mas de quantidade mesmo. Livros e mais livros teóricos são encontrados nas livrarias, junto à infinidade de quadrinhos dispostos nas prateleiras. Até museus específicos eles têm!  Se formos falar da produção, então... Perdemos muito feio! O que é lançado lá num mês não dá o que é publicado aqui um ano.

Fiz uma ressalva com relação à qualidade das pesquisas acadêmicas nacionais e internacionais porque alguns guerreiros brasileiros publicaram e ainda publicam materiais teóricos de altíssimo valor, como é o caso de Álvaro de Moya, Antônio Luiz Cagnin, Moacy Cirne, Sonia Bibe Luyten, Waldomiro Vergueiro, Gonçalo Júnior e o supracitado Paulo Ramos, só pra citar alguns.

Mas seja na Europa, América do Norte ou Ásia, quadrinista é uma profissão de verdade, com uma remuneração honesta e plausível, que torna possível pagar as contas no fim do mês sem ter que recorrer a soluções alternativas. Você até consegue viver especificamente como roteirista! Aqui no Brasil, se alguém disser que quer viver exclusivamente como roteirista de quadrinhos, certamente vai passar fome, a não ser que tenha nascido em berço de ouro, recebido uma herança ou que tenha ganhado na loteria. Caso contrário, há de viver sempre no vermelho.

Mas terá que ser sempre assim? Lógico que não! Muitos desenhistas brazucas viram no mercado externo uma solução. Já que ninguém no Brasil paga uma quantia razoável pela produção de quadrinhos, então vamos trabalhar pras editoras gringas! Muitos artistas fizeram carreira assim, como Mike Deodato, Luke Ross, Joe Bennett, Marcelo Campos, Roger Cruz, Ivan Reis, Renato Guedes, os gêmeos Bá & Moon e mais uma galera. Publicaram muito material bom e ruim pela DC, Marvel, Dark Horse, Image, Chaos!... Aprenderam com a experiência.

E por que só desenhos e não roteiros? Daí voltamos à influência americana no Brasil. Lá, principalmente na mega indústria dos super-heróis, eles sempre valorizaram desenhos virtuosos em detrimento de roteiros elaborados. E quando sentiram a necessidade de investir em boas histórias, o fizeram por meio de escritores nacionais e ingleses. Deu que a brasileirada preferiu investir nos desenhos ao invés dos roteiros. Isso resultou numa penca de gente que domina os traços, mas que ainda pouco exploram a história que será contada.

Felizmente esse panorama vem se alterando com a publicação de muita gente talentosa, que escreve e desenha quadrinhos. Danilo Beyruth e Caeto, por exemplo, foram bastante elogiados após o lançamento de Bando de Dois (Zarabatana Books) e Memória de Elefante (Cia. das Letras), ambos de 2010. Lourenço Mutarelli já virou mestre na escrita, tanto que acabou se dedicando quase que exclusivamente à composição de obras literárias, o que é um a pena pros quadrinhos.

O que o Brasil precisa é de um aprofundamento maior no que tange à linguagem e composição de histórias em quadrinhos. São necessárias mais pesquisas na área, mais debates, mais difusão de conhecimento. Quadrinhos não devem se relegar às prateleiras de colecionadores fanáticos tampouco ao cérebro de profundos conhecedores que guardam sua experiência a sete chaves. Essa informação toda deve ser difundia para criarmos novos leitores e novos autores, com amplo conhecimento de causa, assim como ocorre lá no Velho Mundo.

Devem surgir cursos, livros, grupos de discussão, eventos de grande porte, espaço na mídia, apoio público e governamental. O mercado precisa acontecer de uma vez por todas, bem como a sensibilização pela Nona Arte, que trará aos brasileiros novas formas de enxergar os quadrinhos, com propriedade, capacidade crítica, potencial criativo e viés comercial, porque se não há quem queira comprar, não há quem queira publicar. E não me refiro somente àquilo que tem forte apelo comercial, mas a obras quem possuem sensibilidade para atrair leitores como eu, que não encaram os quadrinhos como sinônimo de super-heróis.

Para entender os quadrinhos, não basta comprar todos os títulos que trazem estampados em suas capas músculos, pernas longilíneas, colantes, cuecas por cima da calça e capas coloridas esvoaçantes. Quadrinhos são muito mais do que saber o nome de tudo quando é desenhista hypado ou cada detalhe da vida de seus heróis preferidos. É necessário muito mais do que isso para se possuir referencial analítico e vigilância epistêmica suficientes para separar o joio do trigo.

Saiba definir qual é o seu verdadeiro papel enquanto leitor de quadrinhos e tenha em mente qual é a sua contribuição para a ARTE que você tanto ama. Você quer apenas encher os bolsos das grandes corporações dos quadrinhos ou prefere contribuir substancialmente para a disseminação, compreensão e evolução daquilo que tanto prazer e emoção vem lhe causando desde sua tenra infância? Seja lá com que idade você tenha descoberto os quadrinhos, já está mais do que na hora deles serem encarados a sério enquanto manifestação artística, não como mero produto de entretenimento.

Os quadrinhos precisam de você, leitor inteligente que é. Reflita sobre isso toda vez que for a uma banca ou livraria e saiba defender suas convicções quando forem colocadas à prova. Nessa hora, o que manda não é o nome do inimigo X ou desenhista Y, certamente, mas o quanto você tem de esclarecimento a respeito de tudo o que constitui essa maravilhosa linguagem em seus aspectos mais amplos.

20.1.11

Tira à mão (ou não)


Ao utilizar o badalado Twitter, me deparei com essa tirinha que resume bem o comportamento de muitos usuários da febre do momento na internet. De autoria do artista paulistano Glauco Guimarães, a tira foi publicada ontem em seu blog.

14.1.11

I Jornadas Internacionais de Histórias em Quadrinhos

Ainda está um pouco longe, mas já estão definidas as datas para as I Jornadas Internacionais de Histórias em Quadrinhos a serem realizadas na USP. Trata-se de um congresso que tem como proposta abrigar estudos sobre a área de quadrinhos realizados dentro e fora do país.

O evento acadêmico ocorrerá de 23 a 26 de agosto de 2011 na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, na Av. Prof. Lúcio Martins Rodrigues, 443, Butantã, Cidade Universitária, São Paulo, SP.

A abertura oficial será no dia 23 de agosto, à noite, em local ainda a ser divulgado, com a presença de um convidado internacional.

O Conselho Científico da jornada já está definido. Dele fazem parte os seguintes pesquisadores:

  • Ana Merino (University of Iowa/Estados Unidos)
  • Andréa Nogueira (SESC/São Paulo)
  • Antonio Vicente Pietroforte (USP/São Paulo)
  • Edgar Franco (UFG/Goiás)
  • Eduardo Calil (UFAL/Alagoas)
  • Elydio dos Santos Neto (UMSB/São Paulo)
  • Gazy Andraus (UNIFIG/São Paulo)
  • Geisa Fernandes (Observatório de Histórias em Quadrinhos/Rio de Janeiro)
  • Héctor D. Fernandez L'Hoeste (Georgia State University/Estados Unidos)
  • Henrique Magalhães (UFPB/Paraíba)
  • Laura Vazquez (UBA/CONICET/Argentina)
  • Márcia Mendonça (UNIFESP/São Paulo)
  • Maria da Penha Lins (UFES/Espírito Santo)
  • Marilda Queluz (UFTRP/Paraná)
  • Octávio Aragão (UFRJ/Rio de Janeiro)
  • Patrícia Borges (Observatório de Histórias em Quadrinhos/São Paulo)
  • Paulo Ramos (UNIFESP/São Paulo)
  • Roberto Elísio dos Santos (UMSC/São Paulo)
  • Selma Meireles (USP/São Paulo)
  • Sonia Luyten (São Paulo)
  • Valéria Bari (UFS/Sergipe)

A coordenação do Conselho Científico estará a cargo de Waldomiro Vergueiro, que terá a responsabilidade de receber, distribuir os trabalhos para avaliação dos pesquisadores e realizar todas as atividades de contato com os autores.

Cada um dos trabalhos encaminhados às I Jornadas Internacionais de Histórias em Quadrinhos será objeto de avaliação de pelo menos dois membros do Conselho Científico, que decidirão sobre a aceitação imediata, necessidade de modificações ou não pertinência/não aceitação dos trabalhos. O calendário e as normas para apresentação de trabalhos serão divulgados em breve.

Atualizações sobre o congresso serão regularmente postadas no blog do Observatório de Histórias em Quadrinhos da USP, no blog das I Jornadas Internacionais de Histórias em Quadrinhos, no twitter do evento e, é claro, aqui no Esquadrinhando HQ.

Mais informações também podem ser solicitadas pelo e-mail jornadasinternacionais@gmail.com.

13.1.11

Um leitor juvenil nas décadas de 80 e 90

Lembro-me de como era ser leitor de quadrinhos em minha quase remota juventude. Difícil! Quadrinhos eram praticamente uma arte underground, para poucos. Com exceção, é claro, dos quadrinhos da Disney e da Turma da Mônica, que vendiam aos montes, para alegria da editora Abril.

A coisa já mudava de figura quando se tratava de quadrinhos de super-heróis. Não era todo mundo que lia, apenas uns gatos pingados com quem se podia trocar umas edições, e olhe lá! Era possível conseguir umas edições antigas em sebos, sempre a um bom preço. Mas nada de excepcional. Mais do mesmo. E nas bancas você encontrava as edições do mês, mas só Marvel e DC. Nada que fugisse muito disso.

Também era possível encontrar as excelentes Chiclete com Banana, Geraldão, Piratas do Tiete, Níquel Náusea, Animal e Heavy Metal, mas não era em todo lugar, e você se sentia como um barquinho de papel no meio do oceano lendo aquilo, pois ninguém mais parecia conhecer aquele brilhante material. Na verdade isso dava até um certo orgulho, devido à individualidade de se ler o que ninguém lia. Não que fosse tão impopular assim, pelo contrário. Mas era a sensação que eu tinha quando moleque.

Comic shop era coisa de gringo. Pelo menos pra quem morava no interior, como era o meu caso. Mesmo porque ficaria inviável abrir uma loja desse tipo por lá, já que a quantidade de editoras era mínima e certamente as vendagens seriam pífias em cidades não metropolitanas.

Nesse caso, como viviam os sedentos fãs de quadrinhos? Bom, tinha que se contentar com o mais-do-mesmo, o arroz-com-feijão disponível nas bancas. Mas para almas afoitas como a minha, só isso não bastava, pois eu tinha conhecimento do vastíssimo universo do quadrinhos a ser explorado. O jeito era buscar soluções alternativas, como as compras pelo correio, já que a internet ainda engatinhava aqui no Brasil e era privilégio para poucos.

Em alguma poucas livrarias era possível encontrar alguns gatos pingados das editoras Martins FontesRecord e L&PM que desde seu início investiram em quadrinhos e o fazem até hoje, com maior ou menor frequência. Esta última, aliás, vem se dedicando com afinco às publicações em quadrinhos, principalmente em sua linha de coletâneas no formato pocket book.


No fim dos 80s/começo dos 90s, a Editora Globo tinha os mais-do-que-clássicos-essenciais Sandman Akira nas bancas, mas não eram muito fáceis de serem encontrados, principalmente nos últimos números das séries.

Mas eis que começam a surgir editoras que passaram a apostar em quadrinhos para mentes irriquietas, que não mais se contentavam apenas com histórias cheias de capas, zoomorfismos e crianças que nunca trocam seus modelitos de roupas. Devir Livraria (1987), Opera Graphica (1996-2009), Via Lettera (1998), Metal Pesado/Tudo em Quadrinhos (1997-1999), Conrad (1999), Mythos (1999), Brainstore (1999-2005), Nona Arte (2000), Pandora Books (2000-2004).

A Devir era a melhor saída para quem desejava comprar material importado através de um eficiente sistema de reservas. Saía bem caro, mas era o jeito. Daí vieram os primeiros lançamentos... Lembro-me de um deles, o Sequelas do Mutarelli. Aquilo era muito f#£§!!! Até hoje é o meu roteirista brasileiro preferido. Fora aqueles traços doentios. Ponto praquela nova editora!

Essas editoras passaram a investir em títulos diferenciados, com certo enfoque às publicações destinadas ao público adulto. A Opera Graphica apareceu com títulos dos mais variados, com autores brasileiros, europeus e americanos, super-heróis, faroeste, humor, porrada, tiros, guerra, erótico... Pra enorme felicidade dos leitores, tinha de tudo!


A Via Lettera veio com Usagi Yojimbo, a coletânea Front, 10 PãezinhosEstranhos no ParaísoBone, entre outros. Só coisa fina! Esses dois últimos até hoje figuram entre meus quadrinhos preferidos of all the time.


A Conrad foi um show à parte. Já de cara lançou o inesquecível Gen - Pés Descalços. Eu simplesmente pirei quando li aquilo! Outro lançamento da editora que me marcou muito foi o Comic Book - O Novo Quadrinho Norte-Americano, coletânea com a elite dos comix da terrinha do Tio Sam (veja artigo relacionado aqui). Esse livro mudou minha cabeça pra sempre! Como aquela maravilha toda podia existir sem meu conhecimento?! E daí vieram também os mangás, com a inovação de serem publicados na ordem de leitura oriental. Virei leitor assíduo das divertidas séries Dragon BallDragon Ball Z, que eu também acompanhava religiosamente pela tevê. Essas duas somadas à série Cavaleiros do Zodíaco garantiram o sucesso econômico e editorial da Conrad, com vendas pra lá de satisfatórias.

A minha querida Mythos foi a responsável por me introduzir ao mundo dos fumetti da Sergio Bonelli Editore. Nunca fui muito fã de faroeste, por isso nunca dava muita bola pra Tex e Zagor, que já haviam sido publicados por editoras diversas há tempos, dentre elas a Record, que também publicou outros títulos da editora italiana. Mas quando tive contato com Ken Parker e Mágico Vento, descobri o quanto as histórias de cowboys e índios podiam ser interessantes. Daí também tive acesso a Martin Mystère, Mister No, Nick RaiderDylan Dog, Julia, DampyrNathan Never. Como pude viver tanto tempo sem aquelas preciosidades?! Pena que a grande maioria desses títulos foram cancelados pelo fatídica insucesso nas vendas.

Falando em cancelamentos... Metal Pesado/Tudo em Quadrinhos, Brainstore e Pandora Books foram campeãs em iniciar e interromper títulos pela metade. Preacher que o diga! Até hoje não teve seu desfecho publicado em terras brasileiras, problema que deve ser sanado em breve pela Panini Comics, atual casa dos super-heróis Marvel e DC aqui no Brasil.

E na profícua primeira década do século XXI surgiram outras editoras, algumas responsáveis por lançamentos memoráveis, outras cuja relevância as mantém de pé até hoje. A Pixel Media chegou com o intento de estourar a boca do balão, adquirindo direitos de exclusividade dos selos estrangeiros ABC Comics, Vertigo e Wildstorm. Mas o passo parece ter sido maior do que a perna, o que resultou numa vida curta para a editora que prometia agitar o mercado nacional de quadrinhos. Até agitou, mas por pouco tempo.

Mas eis que surgiram novas editoras de quadrinhos com uma mentalidade diferente, focando seus títulos destinados ao público maduro para vendas em livrarias. Muita coisa de ótima qualidade saiu daí. Balão Editorial, Barba Negra, Gal Editora, HQM Editora, JBC, Marca de Fantasia, New Pop, Quadrinhos na Cia. e Zarabatana Books hoje fazem a alegria de qualquer leitor de quadrinhos. Receberam prêmios por várias de suas publicações, são constantemente mencionadas na mídia e estão virando as meninas dos olhos do mercado editorial tupiniquim, visto que os quadrinhos estão na moda, seja isso bom ou ruim.

O que realmente importa é que hoje em dia é muito mais fácil e divertido ser leitor de quadrinhos. Qualquer um que esteja ávido por novidades pode passar numa banca de revistas qualquer e eoncontrar uma diversidade bem maior de títulos disponíveis. E se ainda assim seu ímpeto consumista não for satisfeito, é só dar um pulo numa livraria que lá estarão livros pros mais diversos gostos belamente expostos numa seção específica para histórias em quadrinhos. Um sonho para qualquer leitor da minha geração na época de sua tenra juventude.

Que venham mais editoras e lançamentos e que as atuais estabeleçam fortes raízes no mercado. Elas merecem nosso apoio.

Botando a mão na massa como nos velhos tempos!


Laerte Coutinho, figuraça e grande artista nacional dos quadrinhos, oferece uma pequena aula sobre produção de fanzines aos não iniciados na arte da mídia independente, o D.I.Y. da imprensa marginal desgarrada de deveres e obrigações, ou como o autor define nesta página: "Agito pra vender fora do esquemão". Sensacional!

Fiquei todo saudoso dos bons e velhos zines, que muito me ensinaram nesses anos todos que passei chafurdando a cultura underground desse mundão véio sem porteira. Logo mais publicarei aqui um artigo sobre essa cativante forma de manifestação indie.

Enquanto isso, visitem o blog do meu fanzine P.O.G.O., que terá seu primeiro número lançado ainda neste mês de janeiro. Mas lembrem-se: palavra de zineiro não vale 1 centavo sequer e atrasos são quase regra. Eh eh!

11.1.11

Sesc Bauru com programação especial para o Dia Nacional dos Quadrinhos

Atenção pessoal de Bauru!

O Sesc está com uma programação especial em comemoração ao dia 30 de janeiro, Dia Nacional dos Quadrinhos, com exibições de filmes, espetáculos de teatro, oficinas e bate-papo.

Quem mora na cidade que dá nome ao famoso sanduíche e curte quadrinhos, não pode ficar fora dessa.

Fique por dentro da programação completa acessando o site do Sesc Bauru.

Tira à mão (ou não)

Tirinha publicada hoje no blog Márcia, a Neurótica do quadrinhista Rogério Brum. Vale a pena dar uma conferida no blog, pois o material é de qualidade e garante boas risadas.

7.1.11

Tira à mão (ou não)


Antes tarde do que nunca!

Essa tira não é nova, foi publicada na véspera do último Natal, mas como a achei muito divertida, resolvi publicá-la mesmo assim. Não deixe de conferir as outras tiras do Coelho Nero de autoria do talentoso Omar Viñole em seu blog.

Os quadrinhos suburbanos do Tio Sam

(matéria atualizada e originalmente publicada na revista Kaboom!, de janeiro de 2005)

Por Leonardo Passos

Na década de 60, ao explodir a contracultura hippie e os manifestos contra a guerra do Vietnã, um grupo de quadrinhistas malucos usuários de substâncias ilícitas decidiu pôr as mãos na massa e subverter as imposições do mercado de quadrinhos dominado pelas mega-editoras DC e Marvel. Esse grupo utilizou a linguagem dos comics como válvula de escape contra as autoridades e o governo da época, criticando-os ou apenas menosprezando a cultura de massa e os costumes de uma sociedade decadente e amedrontada pelos longos anos de guerra. Já que ninguém se dispunha a lançar os seus famigerados quadrinhos, então quem melhor para fazê-lo senão os seus próprios criadores? E foi aí que a história dos quadrinhos começou a se alterar...

Vanguardistas e politicamente incorretos

Um dos maiores confrontadores do american way of life e da hipocrisia norte-americana foi Robert Crumb. No início dos anos 60, Crumb arrumou um emprego em uma fábrica de cartões em Cleveland, onde teria a oportunidade de trabalhar com "arte" e sair da casa dos pais, na Filadélfia. Mas logo o desenhista descobriu que era apenas mais um empregadinho qualquer que fazia trabalhos chatos e burocráticos. Mas como não queria voltar para a casa dos pais, Crumb teve que engolir a seco a idéia e aliviar suas frustrações nas horas vagas desenhando quadrinhos. Mudou-se para São Francisco e algum tempo depois conseguiu participar da revista Help, editada por Harvey Kurtzman, criador e editor da Mad, quando se ligou totalmente ao movimento da contracultura.

Em 1967, Crumb criou a Zap Comix (lançado no Brasil em uma coletânea pela editora Conrad em 2003) e, em troca de um velho toca-fitas, conseguiu que dois amigos imprimissem a primeira edição da Zap com uma tiragem de 5.000 exemplares. Mas quem decide bater de frente com o mercado editorial tem seus problemas. Como Crumb não tinha onde vender suas revistas, ele e sua mulher, Dana Crumb, entupiram um carrinho de bebê com revistas e foram vendê-las nas ruas. E assim surgiu a lenda!

Diversos álbuns do autor foram publicados no Brasil pela editora Conrad: Fritz the Cat (2002), Mr. Natural (2004), América (2004), Blues (2004), Mr. Natural - Vai Para o Hospício e Outras Histórias (2005), Minha Vida (2005), Bob & Harv - Dois Anti-Heróis Americanos (2006), com roteiros de Harvey Pekar (Pekar é o criador da série autobiográfica American Splendor, interpretado no cinema por Paul Giamatti no filme Anti-Herói Americano), Gênesis (2009) e Meus Problemas Com As Mulheres (2010).

Mas a história não se resume a isto. Outras "aberrações" se juntaram ao criador do gato Fritz em sua empreitada com a Zap Comix.

Outro que aprontou bastante foi o texano Gilbert Shelton. Em 1963 já era bem conhecido no meio underground por sua revista Texas Ranger, uma das principais revistas estudantis da época, e, assim como Crumb, já havia publicado na revista Help. Em 67 lançou a primeira história dos Freak Brothers no jornal LA Free Press. Nessas histórias, nada de seres superpoderosos com roupas coloridas e coladas ao corpo, e sim três hippies vagabundos que passavam o dia fazendo trambiques e correndo atrás de drogas, além de eventuais orgias sexuais. Para dar seqüência às suas publicações, Shelton se juntou a alguns amigos, que compraram uma impressora industrial e montaram a Rip Off Press, de onde saíram os primeiros números da revista Fabulous Furry Freak Brothers. A editora Conrad publicou no Brasil duas coletâneas imperdíveis intituladas Fabulous Furry Freak Brothers (2004) e Fabulous Furry Freak Brothers - A Viagem Continua (2005).

Robert Williams era um jovem briguento e tinha vários problemas com as autoridades, devido ao envolvimento com gangues e drogas. Enfim, era um rapaz "exemplar". Tinha dificuldades em conseguir um emprego (por que será?!), até que um dia foi contratado para trabalhar como ilustrador em uma oficina que construía veículos personalizados a partir de carros tradicionais, os chamados hot rods.

O psicodélico Rick Griffin era um aficionado por surf, hot rods e motos, mas também gostava de desenhar. Fez vários cartazes de shows e capas de discos para bandas como Grateful Dead, Steppenwolf, Neil Young, Jefferson Airplane, entre muitos outros, tornando-se muito conhecido no meio como um dos maiores artistas da psicodelia sessentista. Nos anos 70s, Rick converteu-se ao cristianismo e fez diversos trabalhos nesta área. Durante os anos 80s fez artes para bandas de rock como The Cult. Em 1991, após se isolar do mundo, morreu em um acidente de moto.

Um dos que mais viveu de perto a efervescência da guerra foi S. Clay Wilson, que fazia parte de uma gangue de motociclistas e antes de entrar no mundo dos quadrinhos moralmente ofensivos, trabalhou como enfermeiro no exército. Foi bastante influente para os quadrinistas de sua geração. Wilson também fez ilustrações para livros de William Burroughs e fez uma versão muito pessoal para os contos dos irmãos Grimm. O sujeito está na ativa até hoje.

Manuel Spain Rodriguez trabalhava em uma fábrica de cabos eletrônicos em Buffalo, Nova Iorque. À noite, dedicava-se à sua gangue Road Vultures Motorcycle Club e às militâncias esquerdistas. Latino, subversivo e maloqueiro. O que mais um jovem precisava para ser repudiado pela sociedade americana na década de 60? Já que era desenhista, lançou sua própria revista-manifesto contra a guerra e o governo americano. Fez bastante barulho.

Victor Moscoso nasceu na Espanha e chegou a São Francisco em 1959. Arrumou emprego em uma editora, onde fazia paste-up (método para criar os layouts de uma página, definindo a disposição de textos e imagens), inclusive de livros de Charlie Brown e Snoopy, de Charles Schulz. Desenhou inúmeros e importantes cartazes de shows na década de 60 e era professor na San Francisco Art Institute. Envolveu-se intensamente com a efervescente agitação cultural da Califórnia e tornou-se reconhecido pelas cores vibrantes e psicodélicas que usava em sua arte.

Paul Mavrides trabalhou bastante em revistas como Young Lust, Anarchy Comix e Rip Off Comix. Juntou-se a Gilbert Shelton e Dave Sherridan e colaborou com estes nas aventuras dos Freak Brothers. Entre seus trabalhos recentes está o documentário Grass (lançado no Brasil pela editora Abril com o título Maconha), que fala sobre a proibição da maconha nos States.

Esse grupo de junkies foi responsável por uma grande renovação cultural nas décadas de 60 e 70, e devido à influência que esses caras exerceram em muitos artistas, os quadrinhos atingiram novos horizontes que talvez nunca fossem encontrados se a Zap Comix não existisse.

Novo quadrinho underground norte-americano

Comic Book - O novo quadrinho norte-americano. Esse é o nome do livro lançado pela editora Conrad em 2000, que traz a excelente safra dos novos (alguns não tão novos assim) quadrinistas do cenário alternativo americano. Nomes como Dame Darcy, Richard Sala, Debbie Dreschler, Lloyd Dangle e Adrian Tomine fazem parte dessa sensacional coletânea. Além deles, existe também a participação dos irmãos Hernandez, Peter Bagge, Joe Sacco e Daniel Clowes, que já tiveram álbuns solos lançados no Brasil.

Jaime & Gilbert Hernandez são os criadores da revista Love & Rockets, um dos quadrinhos independentes mais influentes da década de 80, que chegou a ter algumas edições publicadas em terras tupiniquins pela editora Record, além de algumas histórias na saudosa revista Animal. O título foi um dos mais vendidos pela editora americana Fantagraphics, a maior editora de quadrinhos underground dos EUA.

A editora brasileira Via Lettera lançou em 2004 o maravilhoso álbum Sopa de Gran Peña, de Gilbert Hernandez, que conta as dramáticas histórias dos habitantes de Palomar, uma pobre cidade fictícia da América Central. Seguido a este, a editora publicou Pés de Pato (2007), coletânea de nove histórias criadas por Gilbert Hernandez para a série Love & Rockets. Estes livros foram anunciados como os primeiros volumes de algumas coletâneas que a editora iria lançar com a vasta obra dos latinos irmãos Hernandez. Porém o projeto não obteve sequência, como costumeiramente acontece no Brasil.

A mesma editora lançou também, em 2001, o livro Ódio, do quadrinista Peter Bagge, que apresenta o cotidiano de Buddy Bradley, um rapaz suburbano que leva uma vida semelhante à de muitas pessoas por aí, com problemas com a namorada, com os amigos com quem divide sua casa, com o emprego e com a própria consciência, já que um jovem metropolitano que se preze deve ter seus inúmeros problemas pessoais; mas nada que uma boa cerveja gelada não resolva. Ódio é engraçado, sarcástico, ácido, introspectivo, crítico e, muitas vezes, cheio de ódio, como sugere o título.

Joe Sacco segue o gênero jornalismo em quadrinhos. Poucas HQs merecem tanto esse título quanto as criadas por Sacco, que transforma seus diários de viagem em verdadeiras reportagens. A editora Conrad publicou os livros Palestina - Uma Nação Ocupada (2000) e Palestina - Na Faixa de Gaza (2003), que tratam da situação dos palestinos nos territórios ocupados por Israel. A mesma editora lançou mais três álbuns do mesmo autor: Área de Segurança Gorazde - A Guerra na Bósnia Oriental 1992-1995 (2001), Uma História de Sarajevo (2005) e a divertida autobiografia Derrotista (2006). Ainda sobre a questão palestina, a editora Companhia das Letras, sob o excelente selo Quadrinhos na Cia., lançou, em 2010, o livro Notas Sobre Gaza, que dá continuidade aos dois álbuns lançados pela Conrad.

Daniel Clowes é o David Linch dos quadrinhos. Com muita crítica e ironia, o autor da aclamada revista Eightball, publicada pela Fantagraphics nos EUA, recria o estilo de vida norte-americano, transformando-o em um pesadelo obscuro e nonsense. No excelente Como uma Luva de Veludo Moldada em Ferro, também lançado pela Conrad, em 2002, Clowes nos conta uma bizarra história de crimes, extraterrestres e conspirações absurdas, povoada por caricaturas sombrias de nerds, freaks e pornógrafos.

Depois de uma considerável onda de lançamentos de comix no Brasil, houve um pequeno recesso e as editoras pareciam ter perdido o fôlego para o tema. Entretanto, duas editoras passaram a cobrir essa lacuna com diversos lançamentos do gênero, caso da Zarabatana Books e da supracitada Quandrinhos na Cia.

A primeira publicou três títulos importantes que até então passavam desapercebidos pelas editoras nacionais, como Maakies (2007), de Tony Millionaire, Whoa, Nellie! (2007), de Jaime Hernandez, e Underworld (2008), de Kaz.

 A segunda veio com tudo para o mercado de quadrinhos nos brindando com relevantes obras de peso, como Retalhos, de Craig Thompson, Umbigo Sem Fundo, de Dash Shaw, e Jimmy Corrigan - O menino mais esperto do mundo, de Chris Ware, todos lançados em 2009.


A Conrad voltou a lançar outros autores, como títulos elogiadíssimos, como Fun Home - Uma tragicomédia em família (2007), de Alison Bechdel, Black Hole Vol. 1 - Introdução à biologia (2207) e Black Hole Vol. 2 - O fim (2008), de Charles Burns, três gratas surpresas que fizeram a alegria dos leitores mais maduros.

Outras editoras que fizeram suas incursões no mundo dos comix foram a Barba Negra (em parceria com a Leya), com Cicatrizes (2010), de David Small, e a Arte Sequencial (dos mesmos responsáveis pela loja online Rika), com Birdland (2010), de Gilbert Hernandez.

Apesar da recente profusão de títulos, muitos autores relevantes permanecem inéditos no Brasil, como Dame Darcy, Debbie Dreschler, Megan Kelso, James Kochalka, Richard Sala, Adrian Tomine, entre outros. Além do mais, os leitores aguardam ansiosos por novos títulos de autores que tiveram apenas um títulos publicado em terras tupiniquins, como Daniel Clowes e Peter Bagge.

Quem se habilita?