Lembro-me de como era ser leitor de quadrinhos em minha quase remota juventude. Difícil! Quadrinhos eram praticamente uma arte underground, para poucos. Com exceção, é claro, dos quadrinhos da Disney e da Turma da Mônica, que vendiam aos montes, para alegria da editora Abril.
A coisa já mudava de figura quando se tratava de quadrinhos de super-heróis. Não era todo mundo que lia, apenas uns gatos pingados com quem se podia trocar umas edições, e olhe lá! Era possível conseguir umas edições antigas em sebos, sempre a um bom preço. Mas nada de excepcional. Mais do mesmo. E nas bancas você encontrava as edições do mês, mas só Marvel e DC. Nada que fugisse muito disso.
Também era possível encontrar as excelentes Chiclete com Banana, Geraldão, Piratas do Tiete, Níquel Náusea, Animal e Heavy Metal, mas não era em todo lugar, e você se sentia como um barquinho de papel no meio do oceano lendo aquilo, pois ninguém mais parecia conhecer aquele brilhante material. Na verdade isso dava até um certo orgulho, devido à individualidade de se ler o que ninguém lia. Não que fosse tão impopular assim, pelo contrário. Mas era a sensação que eu tinha quando moleque.
Comic shop era coisa de gringo. Pelo menos pra quem morava no interior, como era o meu caso. Mesmo porque ficaria inviável abrir uma loja desse tipo por lá, já que a quantidade de editoras era mínima e certamente as vendagens seriam pífias em cidades não metropolitanas.
Nesse caso, como viviam os sedentos fãs de quadrinhos? Bom, tinha que se contentar com o mais-do-mesmo, o arroz-com-feijão disponível nas bancas. Mas para almas afoitas como a minha, só isso não bastava, pois eu tinha conhecimento do vastíssimo universo do quadrinhos a ser explorado. O jeito era buscar soluções alternativas, como as compras pelo correio, já que a internet ainda engatinhava aqui no Brasil e era privilégio para poucos.
Em alguma poucas livrarias era possível encontrar alguns gatos pingados das editoras Martins Fontes, Record e L&PM que desde seu início investiram em quadrinhos e o fazem até hoje, com maior ou menor frequência. Esta última, aliás, vem se dedicando com afinco às publicações em quadrinhos, principalmente em sua linha de coletâneas no formato pocket book.
No fim dos 80s/começo dos 90s, a Editora Globo tinha os mais-do-que-clássicos-essenciais Sandman e Akira nas bancas, mas não eram muito fáceis de serem encontrados, principalmente nos últimos números das séries.
Mas eis que começam a surgir editoras que passaram a apostar em quadrinhos para mentes irriquietas, que não mais se contentavam apenas com histórias cheias de capas, zoomorfismos e crianças que nunca trocam seus modelitos de roupas. Devir Livraria (1987), Opera Graphica (1996-2009), Via Lettera (1998), Metal Pesado/Tudo em Quadrinhos (1997-1999), Conrad (1999), Mythos (1999), Brainstore (1999-2005), Nona Arte (2000), Pandora Books (2000-2004).
A Devir era a melhor saída para quem desejava comprar material importado através de um eficiente sistema de reservas. Saía bem caro, mas era o jeito. Daí vieram os primeiros lançamentos... Lembro-me de um deles, o Sequelas do Mutarelli. Aquilo era muito f#£§!!! Até hoje é o meu roteirista brasileiro preferido. Fora aqueles traços doentios. Ponto praquela nova editora!
Essas editoras passaram a investir em títulos diferenciados, com certo enfoque às publicações destinadas ao público adulto. A Opera Graphica apareceu com títulos dos mais variados, com autores brasileiros, europeus e americanos, super-heróis, faroeste, humor, porrada, tiros, guerra, erótico... Pra enorme felicidade dos leitores, tinha de tudo!
A Via Lettera veio com Usagi Yojimbo, a coletânea Front, 10 Pãezinhos, Estranhos no Paraíso, Bone, entre outros. Só coisa fina! Esses dois últimos até hoje figuram entre meus quadrinhos preferidos of all the time.
A Conrad foi um show à parte. Já de cara lançou o inesquecível Gen - Pés Descalços. Eu simplesmente pirei quando li aquilo! Outro lançamento da editora que me marcou muito foi o Comic Book - O Novo Quadrinho Norte-Americano, coletânea com a elite dos comix da terrinha do Tio Sam (veja artigo relacionado aqui). Esse livro mudou minha cabeça pra sempre! Como aquela maravilha toda podia existir sem meu conhecimento?! E daí vieram também os mangás, com a inovação de serem publicados na ordem de leitura oriental. Virei leitor assíduo das divertidas séries Dragon Ball e Dragon Ball Z, que eu também acompanhava religiosamente pela tevê. Essas duas somadas à série Cavaleiros do Zodíaco garantiram o sucesso econômico e editorial da Conrad, com vendas pra lá de satisfatórias.
A minha querida Mythos foi a responsável por me introduzir ao mundo dos fumetti da Sergio Bonelli Editore. Nunca fui muito fã de faroeste, por isso nunca dava muita bola pra Tex e Zagor, que já haviam sido publicados por editoras diversas há tempos, dentre elas a Record, que também publicou outros títulos da editora italiana. Mas quando tive contato com Ken Parker e Mágico Vento, descobri o quanto as histórias de cowboys e índios podiam ser interessantes. Daí também tive acesso a Martin Mystère, Mister No, Nick Raider, Dylan Dog, Julia, Dampyr e Nathan Never. Como pude viver tanto tempo sem aquelas preciosidades?! Pena que a grande maioria desses títulos foram cancelados pelo fatídica insucesso nas vendas.
Falando em cancelamentos... Metal Pesado/Tudo em Quadrinhos, Brainstore e Pandora Books foram campeãs em iniciar e interromper títulos pela metade. Preacher que o diga! Até hoje não teve seu desfecho publicado em terras brasileiras, problema que deve ser sanado em breve pela Panini Comics, atual casa dos super-heróis Marvel e DC aqui no Brasil.
E na profícua primeira década do século XXI surgiram outras editoras, algumas responsáveis por lançamentos memoráveis, outras cuja relevância as mantém de pé até hoje. A Pixel Media chegou com o intento de estourar a boca do balão, adquirindo direitos de exclusividade dos selos estrangeiros ABC Comics, Vertigo e Wildstorm. Mas o passo parece ter sido maior do que a perna, o que resultou numa vida curta para a editora que prometia agitar o mercado nacional de quadrinhos. Até agitou, mas por pouco tempo.
Mas eis que surgiram novas editoras de quadrinhos com uma mentalidade diferente, focando seus títulos destinados ao público maduro para vendas em livrarias. Muita coisa de ótima qualidade saiu daí. Balão Editorial, Barba Negra, Gal Editora, HQM Editora, JBC, Marca de Fantasia, New Pop, Quadrinhos na Cia. e Zarabatana Books hoje fazem a alegria de qualquer leitor de quadrinhos. Receberam prêmios por várias de suas publicações, são constantemente mencionadas na mídia e estão virando as meninas dos olhos do mercado editorial tupiniquim, visto que os quadrinhos estão na moda, seja isso bom ou ruim.
O que realmente importa é que hoje em dia é muito mais fácil e divertido ser leitor de quadrinhos. Qualquer um que esteja ávido por novidades pode passar numa banca de revistas qualquer e eoncontrar uma diversidade bem maior de títulos disponíveis. E se ainda assim seu ímpeto consumista não for satisfeito, é só dar um pulo numa livraria que lá estarão livros pros mais diversos gostos belamente expostos numa seção específica para histórias em quadrinhos. Um sonho para qualquer leitor da minha geração na época de sua tenra juventude.
Que venham mais editoras e lançamentos e que as atuais estabeleçam fortes raízes no mercado. Elas merecem nosso apoio.
3 comentários:
Me lembro bem dessa epoca, e me lembro que os melhores quadrinhos como animal e akira e tudo praticamente da editora globo era caro!! fora as revistas undergrounds como Androide, Porrada, Mil Perigos q iam saindo e acabavam e pra achar era milagre!!
Cara,vi a mim mesmo nesse seu texto. Passei pelas mesmas dificuldades em conseguir meus quadrinhos. Felizmente, não desisti e, hoje, sou um colecionador de carteirinha. Parabéns...
Ps. também criei um blog sobre esse mundo tão bacana. www.culturadequadrinhos.blogspot.com
Abraço
Melhor blog sobre quadrinhos que conheço. Melhor até mesmo do que vários sites mantidos por uma equipe. Tá de parabéns pelo trabalho hercúleo.
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